Apreciei o artigo que hoje foi publicado no jornal Público, de autoria da Procuradora-geral adjunta jubilada, Dr. Guilhermina Marreiros - Sem dúvida, uma espécie de lufada de ar fresco que finalmente se levanta e que não pactua com a onda de ódio e uma certa paranóia que parece não ter fim à vista.
Considero-o um verdadeiro acto de coragem: não tanto pelo facto de vir dizer aquilo que já não se soubesse - que os magistrados dispõem de um estatuto que os protege de todo tipo de pressões (a menos de algum tiro cobarde, disso é que é incapaz de os livrar) mas sobretudo ( e numa altura em que a enxurrada venenosa e paranóica ainda mais se acentua), vir publicamente solidarizar-se com o colega, que conhece e diz ter a maior admiração - É realmente um gesto bonito, que deveria partir de um sindicato, que, creio eu, terá sido criado para resolver os problemas de classe e ajudar a sanar possíveis contendas ou conflitos entre associados e não a pô-los em confronto aberto, sob o olhar atónito da opinião pública! E, ainda por cima, humilhando-os e a condenando-os na praça pública, procedimento este que, além de reprovável, não é da sua esfera.
Sou apenas um simples cidadão, mas tenho seguido de perto o polémico caso das chamadas “altas pressões” - Pura manobra política, quanto a mim e que, lamentavelmente tem contado com a cumplicidade do Presidente Cavaco Silva., cuja equidistância não tem sabido manter.
Trabalhei numa profissão que me permitiu contactar com muita gente. Estive em casa desde Franco Nogueira a Costa Gomes. Desde o Monsenhor Moreira das Neves ao Gabinete de Azeredo Perdigão. Foram muitas as personalidades da vida nacional - e nas mais diferentes áreas - com as quais tive o privilégio de falar.
Não conheço pessoalmente nem a Dra. Guilhermina Marreiros nem qualquer dos magistrados envolvidos na polémica questão. Embora - em termos profissionais - já tivesse também tido a oportunidade de falar com prestigiadas figuras da magistratura. Não vou citar nenhumas. No entanto, não quero deixar de aqui recordar, por exemplo (embora não tendo sido uma figura de topo, mas cuja carreira podia ir longe), a saudosa Dra. Margarida, que julgou o Caso Taveira. De pequena estatura mas uma mulher corajosa e determinada. Morreu ainda nova, vítima de doença prolongada. Admirei as suas excepcionais qualidades. Não merecia que o destino lhe pregasse um revés tão cruel - Bom, mas eu não me queria desviar da questão. Sublinhando, de facto, que gostei muito do artigo da Dra. Guilhermina Marreiros. Por isso, vou tomar a liberdade de o transcrever - até porque vem ao encontro da minha opinião e dos meus pontos de vistas, expressos nalgumas em postagens anteriores.
Como pressionar magistrados do Ministério Público que têm um estatuto à prova de bala?
Guilhermina Marreiros, procuradora-geral adjunta (jubilada), escreve sobre ‘O meu Ministério Público e as pressões’. Eis uma parte do artigo do Público:
Encontrei nesta magistratura gente de grande brilho intelectual, profissionais muito empenhados, probos, isentos e competentes e tive o privilégio de privar de perto com muitos deles. Destaco, no entanto, o tempo em que exerci funções no gabinete do procurador-geral da República, onde encontrei o dr. Lopes da Mota, então delegado do procurador da República, o primeiro magistrado a exercer funções de assessor naquele gabinete, sendo titular o dr. Cunha Rodrigues.
Recordo-o, ainda hoje e muitos anos são já volvidos, como um magistrado exemplar, um profissional empenhado, estudioso e dedicado, um colega com todo o tempo do mundo para trocar impressões, reflectir e debater questões jurídicas, desenvolver estudos partilhados, trazendo à colação os contributos resultantes da sua pesquisa individual, debatendo e defendendo os seus pontos de vista à exaustão, com tenacidade e persistência e, muitas vezes, com obstinação.
Cooperante, sempre se mostrou distanciado do poder político. Sou testemunha presencial das suas dúvidas quando foi convidado para "equilibrar" a pasta da Justiça, que tinha no seu vértice o dr. Vera Jardim e num dos pratos o conselheiro Matos Fernandes. Era preciso alguém do Ministério Público, dizia-se, para formar a equipa que tinha reformas importantes a que se dedicar, entre as quais a reforma do sistema tutelar de menores, área de grande importância para o Ministério Público, pelo papel que tradicionalmente lhe era (ainda é) atribuído.
Se não aceitasse este desafio, obrigá-lo-íamos. Argumentando que há lugares que não se podem recusar, por imperativos de consciência e em nome de um serviço público maior que nos é pedido. Entendia-se, então, que seria importante colaborar com o poder político quando nos era dada essa oportunidade.
Lopes da Mota aceitou e, a partir daí, os desafios sucederam-se. De resto, aceitando ou não a pasta de secretário de Estado, desafios não faltariam. O Ministério Público não se pode dar ao luxo de não aproveitar talentos. E Lopes da Mota é um magistrado sabedor, competente e íntegro. Não conheço, em detalhe, a tramitação do processo que o levou à Eurojust, mas não causou surpresa a ninguém, de boa-fé, que tivesse sido escolhido e designado membro do Estado Português para esta instância internacional.
O que sei da acção desenvolvida no âmbito do processo Freeport pela Eurojust e das alegadas pressões sobre dois colegas é, rigorosamente, nada. Não conheço os processos nem falei com nenhum dos envolvidos. Vou lendo e ouvindo notícias, comentários e opiniões, cujo enfoque varia de sentido em razão do interesse político subjacente. Todos são opiniosos e ninguém é isento. Tão-pouco eu o vou ser agora: primeiro, porque conheço Lopes da Mota como uma pessoa de carácter, há muitos anos; depois, porque julgo saber do que é capaz, no calor de uma discussão jurídica, guiado pela certeza das suas convicções; por último, porque o enquadro naquele leque de pessoas a quem se aplica o aforismo "quem mal não usa mal não cuida" e, talvez por isso, não se tenha rodeado das cautelas necessárias num meio profissional que começa a evidenciar alguma esquizofrenia, reflexo da sociedade patológica e em crise onde se insere.
Na minha opinião, Lopes da Mota é mais vítima do que algoz, nesta estória das pressões.
Ao que parece, porque, em vez de se remeter ao silêncio distante, no seu pedestal de presidente da Eurojust, participou, discutiu e emitiu opiniões sem complexos ou preconceitos, entre colegas, que se pautam pelas mesmas regras.
Sempre tive, para mim, que os magistrados não são susceptíveis de sofrer pressões, de qualquer tipo ou origem, porque têm um invejável estatuto onde se ancorar e uma estrutura hierárquica respeitável e legitimamente alicerçada.
É, por isso, pertinente que nos interroguemos: quem pediu ou mandou pedir o quê e a quem? Que Magistrado foi coagido ou obrigado a fazer o que não devia e/ou sentiu a sua carreira realmente ameaçada? Que razão fundamental levou o Presidente da República a ser envolvido numa guerra entre magistrados do Ministério Público, à revelia do Procurador-geral?’
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