Mas que necessidade este disparate: quando ambas as vias vão ter as mesmas duas faixas! - Ainda se fosse para alguma auto-estrada!
Então o Vale da Veiga, nos concelhos de Meda e Vila Nova de Foz Côa, é algo que brada aos céus. Há troços em que a estrada antiga, vai lado a lado com a nova, separada apenas alguns metros, quando podiam perfeitamente alargar a mais a velha. Não se percebe: pois ambas vão ficar com duas faixas. Mas essa até nem será a maior agressão, mas o corte (à esquadria, sem dó nem piedade) pelo meio do vale, pelas zonas mais férteis, destroçando completamente as melhores propriedades agrícolas, nomeadamente vinhas de beneficio, olivais, terrenos de aluvião, próprios para o milho, pastorícia e horticultura. E dificultando os acessos às quintas, a empreendimentos turísticos, cujo sossego também é profundamente alterado. Quando, não muito longe, poderia-se-ia ter optado por outros itinerários em terrenos mais pobres e votados praticamente ao abandono. Pelos vistos, não houve essa preocupação, nem sequer foram ponderadas tais soluções.
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De facto, a importância do IP2 é inegável: ela vai minorar o velho problema da interioridade e permitir ligações mais rápidas e menos perigosas, de vários concelhos às capitais dos distritos e a outras grandes vias existentes. O autarca de Trancoso, PSD, pelo que vimos na televisão, ficou muito contente com a nova estrada e manifestou-o a José Sócrates, numa visita a esta cidade. Tem razões para isso: as suas reivindicações foram atendidas: vai dispor de excelentes acessos urbanos e, até a esta cidade, é uma autêntica auto-estrada com quatro faixas, passando a partir daí a ter apenas duas. Praticamente só atravessa pinhais e penhascos e não afecta grandemente terrenos agrícolas. Mas, a partir daí, tudo muda de figura: são afectados vales e a única diferença entre a estrada velha e a nova, é que se eliminam algumas curvas e o traçado é mais a direito, pois, como dissemos, ambas as estradas têm duas faixas. Soubemos que outros autarcas sugeriram alterações mas não foram atendidos.
Indubitavelmente que a construção das estradas e auto-estradas, é um factor importante de desenvolvimento. Mas, exceptuando casos especiais, talvez fosse chegada a altura, em se pensar mais em manter as que estão construídas, e muitos já estão com troços irreconhecíveis, do que se continuar alimentar a gula dos empreiteiros, com enormíssimas despesas sobre o erário público Porém, havendo necessidade e justificando-se a sua construção, tal não implica que não se respeite o ambiente e se enverede pelo mais manifesto desprezo para com as áreas mais belas e produtivas. Num dos passeios que fizemos à região Duriense e a Trás-os-Montes, ficamos chocadíssimos, ao constatarmos tais agressões. Registamos algumas fotografias. A que juntamos o texto de autoria do escritor Modesto Navarro, publicado ontem no DN, que, com a devida vénia, aqui reproduzimos
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Os desastres anunciados do IP2 e do IC5
Por MODESTO NAVARRO
São letras e números de um itinerário principal e de outro, complementar. Mas não são só isso. Se sair da A23 e depois da A25, para Celorico da Beira, em direcção a Vila Nova de Foz Côa e Bragança, e por ali acima, verá que são rasgados vales e montanhas. Os sítios mais impressionantes ficam feridos de morte. Na transição da Beira para o vale do Douro, o traçado destrói montes que pareciam invioláveis e, já pelo vale deslumbrante, são quintas, vinhedos, zonas agrícolas férteis que aparecem cortadas ao meio, tantas vezes em paralelo com a via já existente e, até, suficiente.
Um empreendimento turístico rural, na quinta do Chão de Ordem, ficará a algumas dezenas de metros do IP2. Até Vila Nova de Foz Côa, e depois, até ao Pocinho, e dali até à ponte sobre o rio Sabor, já se pode adivinhar a destruição de santuários paisagísticos que não merecem o mínimo respeito de quem procura os sítios mais fáceis e menos onerosos, do ponto de vista financeiro, para fazer obra e avançar.
No Vale da Vilariça, o desastre é demasiado óbvio. Zonas férteis são afectadas violentamente; há a confluência anunciada do IP2 com o IC5, que se adivinha destruidora das características essenciais deste vale principal, e há crateras que são abertas (para fornecer brita e outros materiais às obras) que irão ficar nas paisagens de diversos concelhos e freguesias como bombardeamentos pesados e ainda não avaliados no futuro turístico e ambiental da região.
Depois, há o IC5, que virá dos lados de Vila Real, do IP4, irá até à proximidade de Carrazeda de Ansiães e passará a sul e a nascente de Vila Flor. Neste concelho, atravessa quintas e vales importantes, corta vinhedos excelentes e terra com "benefício" de produção de vinho do Porto e, no vale que se abre para a Vilariça, ladeando a estrada para Roios, passará aí a 60 metros de outro empreendimento de turismo rural notável, recentemente erguido a pulso e inteligência, a dois quilómetros de Vila Flor. Há uma providência cautelar e um processo de contestação levados a cabo pela empresa turística e por proprietários de terras férteis e fascinantes que serão duramente atingidas e destruídas, se este traçado for para a frente.
Onde estão os ambientalistas, os lutadores pelos patrimónios natural, paisagístico e cultural? Que projectos de desenvolvimento da região servirão e propiciarão tanta destruição e atropelos da paisagem e da riqueza secular que estão em grave risco? Nada se sabe. Só se sabe é que campeia o "posso, quero e mando" das empresas envolvidas nos empreendimentos e que as autarquias locais estão caladas.
Também o IP4, quando foi anunciado há dezenas de anos e lentamente realizado, foi propagandeado como factor de progresso decisivo para os distritos de Vila Real e Bragança e, afinal, o deserto humano, o abandono e o atraso reais instalaram-se e fortaleceram-se. Os grandes projectos de IP, IC e auto-estradas deviam ser levados a cabo para servir e estimular a economia, a agricultura, o turismo e, sobretudo, a industrialização do interior. Mas nada disso está ligado e é coordenado. Há apenas o abuso, o lucro a todo o custo das empresas envolvidas, a imposição sinistra e avassaladora de mais deserto circulante e fugidio a acrescentar à imensa realidade de atraso e fuga para longe, sobretudo de quem é jovem e já percebeu que não há progresso real com propaganda, mentira e esvaziamento do que é essencial, num futuro já velho e previsível que nos cerca e asfixia.
Nesta realidade violenta de "crises" e do mais que se verá, deveria haver algum decoro e vigilância efectiva por parte de quem aprova obras no papel e deixa "correr o marfim" que levará a nada e a coisa nenhuma, se assim continuar. Apenas o "chegar", "passar" e "partir" depressa das regiões depressivas não chega para justificar a brutal realidade que nos envolve e deprime mais ainda.
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