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Uma boa parte da entrevista foi dedicada aos chamados “recados” de Cavaco Silva ao Governo – O termo não é de Cavaco mas dos comentadores e de uma certa comunicação(enfeudada à direita), que tenta a todo o custo articular e congeminar tensões, destabilizar e envenenar as relações entre o Governo e a Presidência da República. E por isso está sempre à espreita de que, Sócrates, cometa algum deslize: que venha dizer à opinião pública que há tensões entre ambos os poderes institucionais. Ou seja: queriam que Sócrates dissesse que, quando fala em recados, é para os dirigir ao Sr. Presidente da República. Como se esta não fosse uma expressão (bem popular) que se adequa às mais diversas interpretações ou situações. Como, de resto, ele explicou.
Acho que foi um exagero - tanto tempo a bater na mesma tecla! Pareceu-me que Judite de Sousa queria à viva força encostar Sócrates ao tapete, que ele resvalasse para a área mais perigosa e sensível que, em tempos de crise, e já em pleno período pré-eleitoral, poderia afectar drasticamente a própria democracia e os dois principais poderes institucionais – e gerar a demissão governativa. Percebeu-se, claramente – sobretudo pela entrevistadora e subchefe de redacção – haver um propósito deliberado para que Sócrates afirmasse a existência de tensões, entre a Presidência e o Governo. Tal era a ideia porfiada e nervosa que ( por vezes) já nem se percebia muito bem quem falava.
Considero tal procedimento, abusivo e não muito correcto, numa entrevista concedida a um canal público. Conceitos como, objectividade, rigor, imparcialidade – devem estar sempre subjacentes em qualquer trabalho jornalístico – seja ele qual for. E então num serviço público de televisão, ainda muito mais. Em contraponto, estou a lembrar-me do papel que uma jornalista ( aos Domingos com Marcelo) que mais não faz senão de papel decorativo - Já que se limita a dar “améns” aos seus comentários e nem sequer os rebate ou os introduz. O que não acontece às Segundas, entre Judite de Sousa e António Vitorino.
É verdade que compete aos entrevistadores confrontarem os entrevistados, saber colocar as questões pertinentes, incómodas, e, se possível, contradizê-los. Mas daí a flagelá-los sempre com a insistência na mesma questão, assume inquérito de polícia ou carácter e inquisitorial – Claro que (pelo facto de Judite de Sousa) ser a mulher de um destacado dirigente do PSD – actual Presidente da Câmara de Sintra), não quero pensar que ela própria fosse portadora de algum recado da oposição. Mas a verdade é que estava a prestar-se as esses deliberados objectivos.E devia afastar de si mesma esse fantasma. E não o logrou. Pois compreende-se facilmente que esse seria o supremo desejo da direita que elegeu Cavaco Silva: que fosse Sócrates a conflituar com Cavaco para que este sustentasse um argumento válido para a sua exoneração. Porém, José Sócrates, não é parvo – e terá compreendido, muito bem, a armadilha que lhe quereriam colocar.
A única dúvida porém que eu tenho (não é de ver Cavaco dobrar-se às pressões dos seus correlegionários a apoiantes – porque ele não é do género dobrável),mas é a de compreender se não fará parte mesmo da sua estratégia(como ex-líder máximo do maior partido) a ser o principal autor e fomentador do confronto Presidência-Governo e a dar azo às hostilidades - Na verdade, vistas bem as coisas, esse confronto já começou. Resta saber até que ponto.
Sócrates escusa-se a aceitar esse cenário. Argumenta que cada um terá que "pedalar a sua própria bicicleta", que "o papel da oposição é um e que o do Presidente da República é outro." Nega qualquer tipo de conflito institucional, entendendo as declarações de Cavaco Silva, como construtivas institucionais. E refuta que o Presidente ceda a quaisquer pressões – Na verdade, deveria ser assim.
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CAVACO NÃO ACEITA RUÍDO À SUA VOLTA, NÃO GOSTA DE SER CONTRARIADO E QUE ALGUÉM LHE FAÇA SOMBRA POLÍTICA
Pois é – Mas Cavaco Silva, não é José Sócrates - A direita tem por hábito outros conceitos de poder. E é um facto que, Cavaco Silva, tem andado muito activo com a sua agenda. Com várias visitas a municípios e a instituições. Faz parte das suas funções. Cumpre o seu papel – dir-se-á. Mas se se pensar que, em tempo pré-eleitoral, as suas declarações não são apenas mensagens para o governo, mas que estão em perfeita sintonia com os discursos da líder do Partido
que o elegeu, concluir-se-á que não são fruto de um acaso.De facto, a convivência, entre a Presidência da República o Governo, aparentemente tem sido pacífica. Mas tudo poderá mudar de um momento para o outro. É imprevisível. Cavaco Silva parece ser uma figura serena e tolerante com os adversários políticos mas não creio que o seja intrinsecamente. É muito difícil avinhar-lhe o que lhe vai no pensamento. Tem tido por hábito alimentar alguns tabus e, já se viu, que só os decifra quando bem entende.
E também já se viu que não é muito dado a polémicas. Gosta de levar por diante as suas ideias e de as pôr em prática. Não é dos que aceita facilmente ser contrariado. Além disso tem outros defeitos que Sócrates não tem. O actual Primeiro-ministro, é igualmente firme e determinado nas suas convicções. Já demonstrou que não cede facilmente a greves e alaridos hostis. Mas tem outro poder de encaixe e outro sentido de convivência e tolerância que Cavaco, parece não possuir. Cavaco Silva dá-se mal com o ruído político à sua volta ou com alguém que lhe faça sombra política. Governou enquanto encontrou total apoio dos órgãos de comunicação social. E começou a sentir-se fragilizado quando surgiram as famosas manifestações dos secos e molhados e da ponte 25 de Abril, até que, por fim, ao aparecerem as primeiras denúncias no Semanário Independente, que puseram a nu vários escândalos, o reinado das suas duas maiorias entrou em colapso. Não tardou a retirar-se, sem pompa e sem glória. Tem atrás de si alguns traumas ou reveses para ser um bom Presidente da República. A ver vamos. Não votei nele nem sou dos que hoje lhe dê o voto da minha confiança.
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